A minha iniciação na confraria dos bebedores ocorreu ainda na adolescência, quando eu tinha em torno de 15 anos. Reconheço que o primeiro porre já me sinalizou com clareza que eu era alguém com pouca tolerância ao álcool. Naquela noite eu arranhei um carro com uma pedra, achando que aquilo não era nada demais, não naquele momento de entorpecimento dos sentidos por causa do álcool. O único significado para mim é que eu praticara apenas uma gracinha de adolescente. O tempo foi passando e os primeiros goles se tornaram cada mais frequentes; com apenas 20 anos de idade eu já conseguia beber por mais de 12 horas seguidas sem sofrer graves consequências.
Como a doença é progressiva, à medida em que o tempo passava, eu bebia cada vez mais. Também passei a engordar, tanto devido a um fator genético, como também por não praticar nenhum exercício físico. As bebedeiras seguidas me levaram a pensar que eu era o Super Homem, que nada poderia me deter, que ninguém mandava em mim, que eu podia tudo. Era como se o álcool revigorasse o meu poder de convencimento, minha beleza, força e visão de mundo, ainda que claramente equivocada. Vieram então os términos de namoros, términos de noivados, divórcios em sequência, e filhos criados longe de mim.
A falência financeira veio em seguida, pois, sem esposa ao meu lado, vi-me livre para fazer o que bem entendesse na vida, dedicando-me às farras regadas a muita bebida e mulheres. Mulheres que, a essa altura dos acontecimentos, eu via apenas como objetos para me satisfazerem.
Um dia observei com mais atenção os meus amigos e colegas parados de beber e frequentando uma sala de AA; percebi, então, que com o tempo, todos foram melhorando de todas as formas. Suas fisionomias ficando melhor, tipo físico tomando forma, formando famílias, resgatando suas finanças... até que um belo dia fui convidado a ir a uma reunião por um colega de trabalho. Colega este que já frequentava um grupo de AA há mais de 10 anos. Ele era aquele mesmo que já havia me convidado para conhecer a irmandade, mas eu sempre recusava porque sabia que uma sala de AA iria refrear minhas bebedeiras e isso eu não queria até então.
Até que surgiu a data em que aceitei o convite para assistir uma reunião. Já cansado de sofrer, logo de cara eu me identifiquei com os meus companheiros, ficando tentado a praticar o programa de recuperação sugerido por A. A.
Dizer que foi fácil é mentira. Eu evitava festas inclusive em minha família, porque venho de uma família que faz muitas festas regadas a muita bebida de todos os tipos. Na fase áurea da minha ativa no alcoolismo, cheguei a vender um veículo para promover o meu aniversário de 29 anos. Também não posso criticar minha família, que amo tanto. Porém, fico triste por saber que muitos familiares ainda trilham os mesmos caminhos que eu trilhei, e eu não posso fazer quase nada por eles, já que não querem parar. Aquilo que posso eu faço, que é manter-me sóbrio, só por hoje, dando o exemplo, mesmo que as situações às vezes me sejam adversas.
Hoje já não sinto falta da bebida, mas preciso do programa espiritual proposto por A. A. para cuidar do meu emocional. Irrito-me por não conseguir conquistar coisas, ressinto-me com pessoas que vão de encontro ao que penso, situações que às vezes não posso evitar.
Preciso aceitar as coisas que Deus tem preparado para mim e lembrar-me que eu sou um milagre por estar vivo, pois já pus minha vida em risco várias vezes pela irresponsabilidade de quem está sob efeito de álcool. No meu emprego eu corri riscos, já que trabalhei por várias vezes embriagado ou ingeri bebida no meu local de trabalho. Essa é uma demonstração cabal de loucura que eu não faço mais, somente pela graça de Deus. Estou sem beber há cinco anos e minha vida tem mudado em todos os sentidos. Refazendo meu casamento, organizando minhas finanças, vendo e participando da vida escolar e diária de meus filhos e pais. Uma mudança que me livra da escuridão do álcool que eu não conseguia enxergar. Na verdade eu estava cego pelo meu ego inflado, vaidade e prepotência, dentre outras desvios de caráter.
(*) ROBERTO é nome fictício em respeito à tradição do Anonimato.
Os artigos assinados são de responsabilidade dos autores e não refletem necessariamente a opinião do site de notícias www.hnt.com.br
Clique aqui e faça parte no nosso grupo para receber as últimas do HiperNoticias.
Clique aqui e faça parte do nosso grupo no Telegram.
Siga-nos no TWITTER ; INSTAGRAM e FACEBOOK e acompanhe as notícias em primeira mão.