Com menos de 6 anos de fundação, o Chega chegou chegando na política portuguesa. Liderado por um ex comentarista esportivo, que deu cara ao movimento, André Ventura, o partido surgiu de uma dissidência do tradicional PSD, partido pelo qual o próprio Ventura chegou a concorrer para a presidência da Câmara de Loures, na grande Lisboa. Com uma defesa de temas polêmicos, como penas mais duras e prisão perpétua, cortes nos apoios sociais a quem considera “abusadores do sistema”, forte discurso de combate à corrupção, redução de impostos e menos Estado e uma política de imigração mais restritiva, o Chega virou um ponto de apoio para uma parcela da sociedade portuguesa, que não mais enxerga na política tradicional respostas para suas dores.
O fim da era Pedro Passos Coelho e a emergente liderança de Rui Rio, posicionaram o PSD para um centro mais moderado, o que culminou na disruptiva saída de Ventura, que aproveitando-se de seu alcance televisivo, iniciou uma cruzada contra os dois partidos considerados como bastiões do sistema político português, o PSD e o PS. Inflamado pelo crescimento da direita mais radicalizada do mundo, com Trump, Bolsonaro, Le Pen, dentre outros, ganhando protagonismo na cena, Ventura viu uma janela de oportunidade para propor um grande projeto de ruptura com o status quo português.
Seu partido, desde então, tem tido um crescimento considerável. Nas legislativas de 2019, o partido teve apenas 1,29% dos votos (cerca de 67 mil) e elegeu um deputado, o próprio Ventura, marcando a entrada da chamada extrema-direita no parlamento português pela primeira vez desde a Revolução de 1974. O crescimento acelerou em 2024, quando o Chega alcançou 18,07% (mais de 1,1 milhão de votos) e 50 deputados, consolidando-se como a terceira maior bancada.
Neste ano, após a queda do governo e novas eleições legislativas, o partido voltou a crescer: 22,76% dos votos e 60 deputados. Este resultado aproximou o Chega do patamar dos dois partidos históricos, confirmando a sua transformação num dos pilares do sistema partidário português. Consolidado no ideário do eleitor, o partido tenta de alguma maneira não ficar unicamente preso na figura de seu líder máximo. Como exemplo disso, o Chega apresentou para as eleições autárquicas vindouras listas nos 308 conselhos e lançou 44 deputados como presidentes de Câmara.
Na porção sul do país, onde a esquerda portuguesa sempre teve bons resultados, o Chega tenta embalar, pautado no que aconteceu nas últimas eleições. Em Setúbal, por exemplo, onde a CDU comunista lidera por tantos anos, o Chega foi o partido mais votado em maio, atingindo 26,38% dos votos e, em recente pesquisa, divulgada pela CNN, chamou a atenção que o candidato forjado pelo partido, após a renuncia da titular Lina Lopes, envolvida em uma série de denúncias, António Cachaço, aparece em terceiro lugar com 17%, 7% a menos que a favorita e líder Maria das Dores Meira, que governou a cidade por mais de uma década e se aliou ao PSD, mesmo tendo um passado na esquerda. Entretanto, a expectativa maior, nesse caso, é ver como se comportarão os 18,4% de indecisos, mostrados pela sondagem.
No Faro, região do Algarve, o candidato do Chega, Pedro Pinto, usa o slogan de Trump para se apresentar ao eleitorado. “Fazer o Faro Grande de Novo” e mesmo onde o partido não tem grande viabilidade, a tarefa é marcar posição e mostrar força ideológica. O movimento tenta se colocar não só de maneira unipessoal, mas como um pedaço de pensamento da população portuguesa. Ventura irá pra mais uma candidatura, no próximo ano, desta vez para presidente da República e há grande preocupação com a fadiga de material. Em qualitativas no país, muitos dizem que já se incomodam com tantas tentativas de Ventura, que parece querer impor um desejo pessoal às custas de um movimento que tem base nos anseios de boa parte dos eleitores.
Com a nova aprovação da reforma da Lei de Imigração, chamada “Lei dos Estrangeiros”, após o veto da versão anterior pelo Tribunal Constitucional, o Chega parece ter conseguido ser ouvido pelo governo liderado pelo PSD. A versão aprovada traz ajustes para contornar as críticas do Tribunal Constitucional, mas mantém caráter restritivo. Os brasileiros constituem o maior contingente de estrangeiros legalmente residentes em Portugal, são mais de 450 mil segundo estimativas recentes, o que pode ser quase o dobro, considerando os indocumentados. Com a nova lei, menor será a flexibilidade para reagrupamento familiar, maior a rigidez para entradas e residência e os vistos de procura de trabalho serão mais seletivos.
Conhecido pela sua veia emigracionaista, o povo português terá que fazer uma escolha, que começa agora em 12 de outubro. Ela passa essencialmente pelo Chega. O país que viveu anos de atraso em relação às demais nações europeias, deu um salto de qualidade e integração econômica, depois do efeito do multilateralismo, a adoção do euro e a entrada na comunidade europeia, e sabe que não é do dia para a noite que as coisas acontecem. O imediatismo para respostas pode até ser confortante, mas para quem navegou em todos os mares do mundo, a paciência de ultrapassar os obstáculos e a obstinação da chegada são os lemas de quem conduz a nau. Que a onda da resposta não seja mais forte que a capacidade da condução, e o país não se perca num populismo, que pode causar um naufrágio de difícil proporções. Por muitas vezes não é sobre a chegada, mas sim sobre o caminho que se percorre.
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