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Domingo, 09 de Março de 2014, 11h:45

Copa do Mundo já está trazendo grandes benefícios para Cuiabá, diz arquiteto e urbanista

José Antonio Lemos acredita que muitos investimentos poderão ser direcionados para Cuiabá na esteira da Copa

NELSON SEVERINO





Muito antes da realização de uma das fases da Copa do Mundo de 2014 em Cuiabá a cidade já está sendo beneficiada: além das obras de mobilidade urbana, um grande edifício na Avenida do CPA que estava para virar ruínas está se transformando em um grande hotel, um shopping está sendo triplicado e outro sendo construído, a rede hoteleira modernizada e ampliada, com a construção de novos estabelecimentos do ramo – esta é a opinião do arquiteto e urbanista e professor universitário José Antonio Lemos dos Santos.

Mas não é só isso. Com a grande quantidade de cimento que está sendo utilizada nas obras de mobilidade urbana e outros projetos em Cuiabá para preparação da cidade para o grande evento esportivo, uma indústria do produto foi inaugurada recentemente no distrito de Aguaçu para atender a demanda do mercado regional, gerando muitos empregos e benefícios sociais. Valor do investimento na pequena localidade: R$ 400 milhões.

Na sua visão, inclusive como ex-presidente do IPDU, muitos investimentos poderão ser direcionados para Cuiabá na esteira da Copa do Mundo, com a possibilidade de grandes empresas se instalarem na capital mato-grossense, atraídas pela modernização da cidade, e principalmente do seu sistema viário, que é o sufocante gargalo dos grandes centros urbanos, sem perspectivas de solução.

Ele não se preocupa com o fato de Cuiabá sofrer uma eventual nova invasão no caso de grandes indústrias resolverem migrar para a capital mato-grossense porque a cidade, com sua vocação desenvolvimentista, está relativamente bem estruturada, ao contrário do que aconteceu nas décadas de 60/70, quando fluxos migratórios, principalmente do sul do país, “se jogaram” para a região e se concentram na “Portal da Amazônia”, gerando todos os tipos de problemas sociais.

Mayke Toscano/Hipernoticias

José Antônio Lemos acredita que muitos investimentos poderão ser direcionados para Cuiabá na esteira da Copa do Mundo


HiperNotícias – Comenta-se muito, inclusive em setores da administração pública estadual e municipal, que com as mudanças pelas quais Cuiabá está passando, preparando-se para sediar uma das fases da Copa do Mundo de 2014, grandes empresas poderão se instalar na cidade. Existe mesmo essa perspectiva?

Antonio Lemos – Sem dúvida e a resposta foi imediata em termos de investimentos privados relacionados especificamente à Copa. Um exemplo é a fábrica de cimento de R$ 400 milhões no distrito de Aguaçu, grandes lojas, supermercados e mais de uma dezena empreendimentos hoteleiros, entre novos investimentos, ampliações, revitalizações. Não fosse a Copa, a obra do grande hotel no viaduto da Avenida do CPA com a Miguel Sutil paralisado há décadas não teria outro destino que não as ruínas, maculando para sempre o principal cartão postal da cidade. O mesmo se pode dizer do antigo Hotel Excelsior na Getúlio Vargas. Não podemos nos esquecer dos Shoppings viabilizados pela Copa: um que foi triplicado e outros dois novos, sendo um em Várzea Grande. A perspectiva de atração de grandes e pequenos investimentos é muito grande para Cuiabá, mesmo que não houvesse a Copa. O desenvolvimento do agronegócio trouxe uma substancial elevação da renda per cápita no estado disponibilizando excedentes que são aplicados em parte na capital, por exemplo, em imóveis, serviços de comércio, educação, saúde e cultura. A Copa veio como uma força adicional nesse processo de potencialização atrativa de Cuiabá que já existia desde a virada do século e vem crescendo em função do desenvolvimento da região que centraliza e hoje é uma das regiões mais dinâmicas do planeta. Independente da Copa, a cidade já devia estar preparada para essa demanda regional e, mais que isso, preparada para disputar esses investimentos com outros polos regionais que já entraram nessa disputa, tais como Rondonópolis e Lucas do Rio Verde. É preciso uma intervenção do Estado na busca de uma regionalização planejada desses investimentos evitando uma disputa predatória entre as cidades irmãs, prejudicial a todas e a todo o Estado. Cuiabá ainda tem a vantagem do aeroporto internacional e da disponibilidade do gás boliviano, este suficiente para alavancar o desenvolvimento de qualquer região, mas inexplicavelmente desprezado pelas autoridades daqui. Existe sim a perspectiva de investimentos, ela é boa e deve ser trabalhada para que seja otimizada em função da geração de emprego, renda e qualidade de vida para a população.

Mayke Toscano/Hipernoticias

'A Copa veio como um plus para incrementar de forma considerável uma situação favorável já existente', diz o urbanista


HiperNotícias – Na década de 70, com a mecanização agrícola que resultou no desemprego de milhares de trabalhadores do campo, notadamente na Região Sul, Cuiabá sofreu uma grande invasão de migrantes, o que gerou um problema social, com invasões de áreas públicas e privadas. Hoje a cidade suportaria outro fluxo migratório de maior vulto no caso de se montar grandes empresas aqui?

Antonio Lemos – Sem planejamento e forte controle público democrático nenhuma cidade do mundo suportaria as taxas de crescimento demográfico na faixa de 7 a 8% a.a. vividas nas décadas de 60 e 70, consideradas tecnicamente inadministráveis. Na época, Cuiabá viveu essa grande invasão de migrantes, com grandes problemas, mas ainda assim com um saldo amplamente favorável à cidade e ao Estado. Podia ter acontecido de forma planejada, mas não foi o que aconteceu e isso agora é passado. O desenvolvimento é a vocação natural de uma cidade saudável inserida em uma região saudável. Não se pode recriminar um adolescente em fase de crescimento por exigir vestuário maior a cada seis meses, quando essa situação é absolutamente previsível àqueles com obrigação de prover as condições para que esse desenvolvimento aconteça em sua plenitude. É o caso de Cuiabá que vem respondendo positivamente às demandas do forte desenvolvimento da região que centraliza. A região que por séculos foi cuidada, apoiada e fomentada em seu desenvolvimento por Cuiabá, hoje a empurra para cima, trazendo todo esse dinamismo que a cidade vive apesar de tricentenária. A Copa veio como um plus para incrementar de forma considerável uma situação favorável já existente. Essa é a realidade da Cuiabá de hoje que seus cidadãos e governantes deveriam estar dominando e fomentando de forma a aproveitá-la ao máximo em seus efeitos positivos e reduzindo ao mínimo os negativos. Pensando dessa maneira que no final da década de 80 foi institucionalizado o planejamento urbano em Cuiabá, tendo como horizonte o tricentenário da cidade, isto é, 30 anos de antecedência. Tinha-se a clara consciência que naquele momento, a cidade como o Portal da Amazônia vivia um grande salto histórico de desenvolvimento, o salto da quantidade, com grande aporte imigratório, pouco dinheiro, sem apoio de ninguém, despreparada e sem controle. Sabia-se, porém, que este salto seria logo sucedido por um outro na virada do século, e que deveria ser o salto da qualidade, com pouca gente e muito dinheiro, decorrente da maturação dos investimentos que se realizavam no Estado nos anos 60, 70 e 80, desde os micro trazidos pelos colonos imigrantes, aos macros, apoiados e promovidos pelo Governo Federal através de seus programas especiais de investimentos e incentivos fiscais. Era preciso que se assegurasse que esse novo salto acontecesse de forma organizada e dirigida pelo interesse público. Assim foi pensado e instituído pela Lei Orgânica em 89 um Sistema Municipal de Desenvolvimento Urbano, com uma secretaria (SMADES) como órgão central, uma autarquia (IPDU) para coordenar o planejamento e um conselho (CMDU) como órgão superior composto pelos principais agentes construtores da cidade, órgãos públicos e entidades representativas da sociedade organizada. O objetivo era justamente a preocupação trazida pela pergunta, isto é, assegurar que o desenvolvimento do novo século acontecesse de forma planejada e organizada, não mais sob o signo do que chamávamos de “faroeste urbano”, sem invasões ou demandas sociais e de infraestrutura não atendidas, com investimentos e metas públicas bem programadas, organizando e conduzindo o desenvolvimento da cidade. Como todo esse sistema institucional foi desmantelado nos últimos 10 anos, a cidade encontra-se novamente à mercê da sorte, com a única vantagem de não existir mais a expectativa dos grandes fluxos migratórios nas proporções vividas nas décadas de 60/70, por razões diversas, de caráter local e nacional.

Mayke Toscano/Hipernoticias

'O mais urgente é a cidade voltar a ter um sistema de gestão urbana institucional, sistemático e participativo', avalia Antonio Lemos


HiperNotícias – Como ex presidente do Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento Urbano (IPDU), que tem nas mãos um completo raios X da cidade, que medidas mais urgentes o senhor acha que devem tomadas para a cidade enfrentar outro eventual fluxo migratório de grandes proporções?

Antonio Lemos – A cidade institucional precisa chegar ao nível de complexidade e dinamismo da cidade real. A cidade institucional descolou da cidade real e hoje é como se estivéssemos numa corrida de fórmula 1 pilotando um fusquinha velho cheio de gambiarras. Como disse, hoje a situação poderia ser considerada como mais confortável do que nas décadas de 60/70 pois não há previsão de um impacto migratório nas mesmas proporções. Por outro lado, no caso atual a responsabilidade pública é bem maior, pois naquela época as autoridades e os estudiosos foram pegos de surpresa após décadas de estagnação urbana. Já o que está acontecendo hoje era previsível e não pode haver desculpas para a imprevidência dos gestores públicos. Esperava-se que este salto de desenvolvimento acontecesse, como de fato está acontecendo, com menos gente e mais dinheiro. O problema hoje não é a imigração de pessoas, mas de investimentos. Como organizá-los no espaço garantindo que atuem com funcionalidade, segurança jurídica, sustentabilidade de forma a trazer o máximo de incremento na qualidade de vida da população, com o mínimo possível de perdas e desconforto? Exemplo claro são os investimentos catalisados pela Copa, jamais vistos pela cidade em volume e concentração no tempo. A cidade, ou melhor, a região metropolitana, em pleno século XXI, foi pega outra vez de “calças curtas”, de novo não estava preparada para recepcioná-los de forma organizada e planejada, tendo que se submeter a este processo de improvisação desgastante e sofrido, mas que era o preço a ser pago em decorrência da imprevidência pública. Espera-se que tenhamos aprendido a lição e esta situação não mais se repita. Oportunidade teremos pois a vocação da cidade é desenvolver e ela continuará evoluindo. Em suma, o mais urgente é a cidade voltar a ter um sistema de gestão urbana institucional, sistemático e participativo, que veja a cidade como um todo e reestabeleça a harmonia de seu Plano Diretor, garantindo com autoridade e um choque de gestão a aplicação prática de seus projetos, leis, normas e demais instrumentos de controle.

HiperNotícias – Independente da vinda ou não para Cuiabá de grandes empresas, o senhor acha que essas mudanças que está a cidade está sofrendo e que são mostradas com frequência pela televisão para o Brasil inteiro, podem atrair novos fluxos migratórios para a capital?

Antonio Lemos – Segundo os últimos Censos, nas últimas décadas Cuiabá seguindo a média brasileira vem apresentando uma taxa de crescimento demográfico quase vegetativo, em torno de incríveis 1,5% a.a., ou menos. Creio que o impacto das atuais demandas regionais sobre a cidade podem promover uma elevação nestas taxas no máximo em 1 ponto percentual, isto é, para 2% ou 2,5% no máximo, muito mais fácil de administrar e bastante longe dos 7 a 8% das décadas de 60/70 que eram realmente inadministráveis. De qualquer forma, a solução é assegurar que os grandes investimentos e as grandes empresas venham de fato para Cuiabá e Várzea Grande como prevê a pergunta, criando inclusive programas agressivos para sua atração, aproveitando ao máximo as vantagens comparativas que a cidade oferece, entre elas a visibilidade nacional e global trazida pela Copa.

Mayke Toscano/Hipernoticias

Antonio acredita que para ser gestor de Cuiabá 'é preciso estar à altura do nosso desenvolvimento local e regional para poder dimensioná-lo para o futuro'

HiperNotícias – Eventuais problemas sociais à parte – como falta de moradia, de escolas, postos de saúde, energia elétrica, água, transporte coletivo, etc. – o Distrito Industrial de Cuiabá tem estrutura suficiente para atender empresas de maior porte?

Antonio Lemos – Já na década de 90 o IPDU elaborou estudos para a criação de um corredor ecológico multimodal de alto-impacto, ao longo da Rodovia dos Imigrantes, chegando até ao rio, com perspectivas de atravessá-lo, indo até ao Trevo do Lagarto. Esse corredor, próximo ao aeroporto internacional Marechal Rondon, além da rodovia duplicada e com pistas paralelas auxiliares, previa receber o terminal da ferrovia, assim como já tinha instalado nele o city-gate do gasoduto e um aeroporto executivo particular. Isso foi pensado há mais de 20 anos e é nessas dimensões que deve ser pensado o desenvolvimento de Cuiabá e Várzea Grande. Aliás, temos bons exemplos de bons administradores do passado, como os que reservaram na década de 40 uma área de 700 ha para o aeroporto numa época em que a própria aviação comercial era incipiente, o mesmo aconteceu na década de 70 com o dimensionamento do Distrito Industrial, a Rodoviária e CPA. Eram profetas do desenvolvimento. É preciso estar à altura do nosso desenvolvimento local e regional para poder dimensioná-lo para o futuro. Graças a Deus, nosso Distrito Industrial projetado há 40 anos não comporta nem o presente de Cuiabá, muito menos seu futuro. Sinal que a cidade não parou. Agora é preciso redimensioná-lo e reconceituá-lo com a grandeza de visão daqueles antigos gestores.

HiperNotícias – Pelos mais variados motivos, muitas grandes empresas preferem se instalar fora do Distrito Industrial. Nesses casos, o município de Cuiabá tem uma política de incentivos fiscais para atender suas exigências, como aconteceu com a AmBev, só para citar um exemplo, que ficou fora do Distrito Industrial?

Antonio Lemos – Só tenho conhecimento do próprio Distrito Industrial e da Zona Especial de Alto Impacto estabelecida na Lei do Uso e Ocupação do Solo Urbano. Mas trata-se de uma questão que precisa ser equacionada já que existem empreendimentos de diversos tipos e impactância, não apenas industriais, por exemplo, as centrais de cargas e o terminal ferroviário. Aliás, o município tem que preparar a cidade para receber a ferrovia e agir politicamente para que ela chegue o mais rápido possível, já que a vocação de Cuiabá é ser o grande encontro de caminhos no centro do continente e não pode perder esta perspectiva. A ferrovia passando por Cuiabá é fundamental para a cidade e, mais ainda, para o Estado.

HiperNotícias – Como arquiteto, como o senhor avalia essas obras, inclusive de mobilidade urbana, que estão sendo implantadas em Cuiabá? A cidade está sendo preparada mesmo para o futuro?

Antonio Lemos – São obras para resolver problemas que já deveriam ter sido resolvidos há muitos anos, alguns a décadas. Nem por isso deixam de ser importantes e devem ajudar muito a cidade. Sem a Copa, não seriam viabilizadas. Hoje, contudo, só elas não resolvem. As cidades saudáveis são dinâmicas e Cuiabá é muito dinâmica e, além de um passado rico, tem também muito futuro. Seu planejamento deve ser contínuo para que um dia realmente a gente possa estar resolvendo os problemas antes que aconteçam e não apenas cobrindo buracos do passado. Para isso a cidade precisa montar novamente sua estrutura de planejamento urbano.

HiperNotícias – O senhor considera que algumas obras das previstas no projeto de modernização de Cuiabá poderiam ser substituídas por outras de maior utilidade para a população? Ou todas elas são efetivamente necessárias?

Antonio Lemos – Não me lembro de alguma das obras em execução que possa ser considerada desnecessária para a população. Ao contrário, destacaria muitas como fundamentais como o aeroporto, as interseções da Miguel Sutil, Tijucal e da FEB, a ligação do São Gonçalo Beira-Rio, a Guarita, as duplicações da Mario Andreazza e da Archimedes Pereira Lima e outras. Como não participei e nem participo do planejamento do conjunto das intervenções, não conheço os projetos em detalhes e, assim, como técnico devo confiar que os técnicos responsáveis tenham conseguido o melhor dentro das condições difíceis de prazos e de informações sobre a infraestrutura instalada na cidade.

Mayke Toscano/Hipernoticias

"Acho que o problema fundamental no transporte público na região metropolitana não era nem é o modal, mas sua gestão, sobre o qual até hoje não vi qualquer estudo"

HiperNotícias – Desde que foi anunciada a sua escolha como solução, pelo menos por 20 anos, do transporte coletivo da cidade, que o VLT vem sendo muito criticado, principalmente por causa do seu custo – R$ 1,477 bilhão. Qual a sua opinião sobre esse modal de transporte coletivo urbano?

Antonio Lemos – Tenho artigos sobre o assunto desde a época em que se discutia a escolha do modal. Encontram-se no meu livro “Cuiabá e a Copa – A preparação”, lançado em abril do ano passado. Acho que o problema fundamental no transporte público na região metropolitana não era nem é o modal, mas sua gestão, sobre o qual até hoje não vi qualquer estudo. Como se articularão os diversos modais e as competências administrativas dos municípios e do Estado sobre o assunto?

HiperNotícias – Quem conhece esse sistema de transporte de massas garante que a passagem do VLT não vai custar menos de R$ 15,00, mesmo subsidiada pelo Estado. Mato Grosso tem condição de bancar essa conta ou o VLT vai se tornar mesmo um sistema de transporte coletivo ao qual a maioria da população cuiabana não terá acesso?

Antonio Lemos – O governo alega que entregará o sistema pronto para funcionar, inclusive com os carros adquiridos, custos que não entrariam na composição da tarifa, em função do que promete que o sistema será acessível a todos. Parece lógico e possível, mas não sou especialista nessa área de composição de custos em transportes nem tenho dados suficientes para afirmações mais conclusivas sobre este assunto.