“Na modernidade contemporânea as tradições só sobrevivem se elas se renovarem. Se elas justificarem constantemente, elas têm que dizer a todo o momento para que servem, senão elas desaparecem”. A frase do sociólogo britânico Anthony Giddens resume e explica o que a Praça da Mandioca, em Cuiabá, vive na atualidade, com a chegada dos “jovens frequentadores”.
Classificada há alguns anos como ponto de encontro das pessoas mais velhas, a Praça da Mandioca -- outrora chamada “Praça Conde de Azambuja”, “Largo do Sebo” e “Praça Dona Bembem” -- sofreu uma mudança drástica em seu público frequentador.
Um dos motivos para essa transformação pode ser as programações dos finais de semana, quando os bares tradicionais e os novos ficam lotados pelo chamado “público alternativo”, que inclui universitários, saudosistas e pessoas da região que gostam de curtir desde o samba até o rock.
Especialistas e conhecedores da região acreditam que essa mudança começou com a volta das apresentações dos blocos de Carnaval no local.
Na avaliação do sociólogo Francisco Rodrigues, a Praça da Mandioca flerta com o imaginário social e coletivo, no sentido histórico do espaço, que é boêmio. Por isso, é frequentada pelo público jovem e também pelas outras pessoas que já conheciam a área.
Francisco explica que o espaço está claramente se modificando, com os bares antigos e tradicionais convivendo com novos empreendimentos, que apresentam outras opções de lazer, especialmente para o público alternativo.
“Há um sentido de viver, resgatar e experimentar a cultura cuiabana. Também diria que a juventude vai lá para buscar um estilo de vida. Mas, nos últimos tempos, tem sido um espaço de um público alternativo para a moçada que busca consumir outros estilos de vida”, completou.
O sociólogo acredita que esse processo está acontecendo por causa da diversidade de música, eventos culturais e até mesmo da comida que os comerciantes da Praça oferecem.
“Os jovens gostam do novo. No entanto, não é simplesmente o novo. Acho que o que está em jogo é a relação entre a modernidade e a tradição. Não só pelas características sócio-culturais e gênero, mas pela música, assim como o moderno e o tradicional, o antes e o agora”, destacou.
O estudioso explicou que essa relação entre o moderno e o tradicional acontece porque a cultura contemporânea busca transcender as características da sociedade e vivenciar simultaneamente experiências antes tidas como explicitamente diferentes.
“E a gente acaba não entendendo, porque nossa mentalidade é positivista. Nós separamos os espaços de forma explícita, no qual define o pensamento primitivo, como, por exemplo, os índios separavam o dia e a noite, sol e lua, assim como separamos o moderno do tradicional”.
A tradição dos jovens em visitar a Praça da Mandioca, segundo Francisco, também passa pela mesma forma de pensar, porque os bares não ofertam nos dias atuais o que ofertavam há uma década.
“Vivemos no multicultural, onde diversos estilos de vida. Aquilo que a gente chamava, na década de 70, de 'grupos pequenos alternativos', hoje chamamos de 'multicultural', que são diferentes grupos com diferentes filiações culturais e sociais”, concluiu.
DIVERSÃO
Assim como o sociólogo, os donos do Bar do Bigode, Leonardo Figueiredo de Melo, Achille Sotirios Liambos, Pedro Vasconcelos e Arthur Figueiredo, acreditam que a volta dos blocos de Carnaval à região colaborou para o “retorno” da Praça da Mandioca.
“Com a volta do Carnaval para o local, a Praça voltou a ter um pouco mais de destaque e foi a partir daí que antigos e novos bares começaram novamente a animar o local, atraindo mais a população e também os olhos do governo, que há pouco tempo mantém uma base da polícia na região, entre a praça e o calçadão de Cuiabá. A maioria afastada pelo anterior abandono, agora pode curtir o local mais tranquilamente e abertamente”, afirmou Leonardo.
Achille conta que o bar surgiu com o objetivo de reativar o bloco de Carnaval “Bloco do Bigode”, que foi formado por um grupo de amigos em 2012.
“O bloco estava parado há dois anos, aí nós tivemos a ideia de montar um QG do bloco e curtir o carnaval. No começo de 2015 inauguramos o bar e curtimos o carnaval daquele ano. Em outubro demos início às atividades culturais que o espaço propunha”, disse Achille.
Apesar de o público ter tomado conta das ruas novamente e a marginalização ter diminuído, Arthur comenta que percebe que a região ainda sofre preconceito, porque por muito tempo foi povoada por usuários de drogas e moradores de rua.
“Muita gente viu e reclamou às autoridades. Nesses últimos três anos foi que houve uma redução da violência. Isso tem nos ajudado a conquistar mais plateia também, além de oferecermos diversos ritmos”, pontuou.
Leonardo destaca que o objetivo era criar um ponto diferente para as pessoas que buscavam também algo diferente.
“Juntando o clima tão intimista do bar e o bom humor e a animosidade de todos os clientes que ali frequentam, foi formada uma receita de sucesso que continua a trazer e surpreender novos e velhos frequentadores da saudosa Praça da Mandioca”, finalizou.
HISTÓRIA
A Praça da Mandioca é uma praça popular de Cuiabá e recebeu esse nome porque havia ali, antigamente, uma feira que vendia mandiocas. Segundo o historiador William Gomes, a cidade começou na região da Mandioca e ficou conhecida pela “high society”, visto que ali moravam os capitães e generais, os governadores da época da colônia.
Naquele tempo, os lugares calçados, com árvores, banquetas de madeira e grande fluxo de pessoas eram chamados de "largo", já que os moradores não tinham a cultura de dar nomes às ruas.
“As ruas eram denominadas de rua de Baixo, do Meio, de Cima. Se tivesse muita taquara na rua chamava rua da Taquara. Em São Paulo, por exemplo, ainda tem a rua da Direita, porque ficava à direita da Igreja Catedral”, disse.
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