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Segunda-feira, 03 de Outubro de 2011, 13h:29

Testemunha descreve cenas de horror praticadas ao estudante africano

Professora conta como aconteceu a agressão que levou a morte o estudante Toni Bernardo da Silva e disse que os policiais agiram sem preparo e promoveram sessão de tortura

ALIANA CAMARGO

Mayke Toscano/Hipernotícias

A professora Janaína Monteiro simulando como os policiais batiam na cabeça da Toni Bernardo: "As pessoas eram tão agressivas e violentas quanto eles (os PMs)", afirmou

A agressão ao estudante africano no dia 22 de setembro foi marcada por uma sessão de tortura promovida por dois policiais militares que deram golpes na cabeça. É o que diz a professora e socióloga Janaína Pereira Monteiro, uma das testemunhas da morte de Toni Bernardo na pizzaria Rola Papo, no bairro Boa Esperança, na região da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), onde a vítima estudava.

A professora disse ainda que houve omissão por parte de muitas pessoas que viram toda a cena e que uma esposa de um dos policiais militares incentivava ainda mais a sessão de agressão contra o estudante africano.

Ancorada em falas de pensadores como Paulo Freire, Martin Luther King, Ronaldo Salles Junior, Janaína Pereira Monteiro deixou claro que a sua posição é pelos direitos humanos. Ela apresentou a sua versão do assassinato do estudante por mais de uma hora, na manhã desta segunda-feira (03) na Assembléia Legislativa para a imprensa, ao comitê de Direitos Humanos da Casa de Leis, liderado pelo deputado Estadual Emanuel Pinheiro (PR), para representantes de entidades e associações civis ligadas ao movimento negro e de direito à vida.

Segundo a professora da rede estadual de ensino, ela estava na sua casa, próximo a pizzaria Rola Papo, quando seu irmão lhe disse que estavam batendo em uma pessoa no interior do estabelecimento.

“Vi um tumulto lá dentro e me deparei com a seguinte imagem: um homem deitado de bruços no chão com as duas mãos para trás. Um negro de joelhos segurava um dos braços de um lado e um outro, branco, segurava o outro braço e dava socos no pescoço, no rosto e na cabeça”, afirma Janaina.

Além da cena, uma frase chamou a atenção da professora: “Junto dessa cena que narrei um deles falava – você sabe porque você está apanhando? (perguntava um PM para o Toni) porque você é bandido (falava um dos policiais militares) e batia firmemente”, conta a professora.

No entanto, Toni Bernardo da Silva já estava desacordado, sem o qual não poderia responder aos seus agressores, nada que lhes era perguntado. Janaína Monteiro não imaginava que no instante em que ele estava recebendo os golpes já estava quase sem vida.

“Eu não vi que ele estava morto. O que vi foi uma cena bizarra no local”, lamentou-se.

Ao mesmo tempo em que a professora, segundo ela, suplicava para que eles parassem de bater, outras duas cozinheiras do Rola Papo também gritavam para que a sessão de tortura fosse encerrada.

DESPREPARO

De acordo com a posição da socióloga Janaína Monteiro, os dois policiais que estavam à paisana, um inclusive será pai e o outro estava com filho pequeno que presenciou toda a cena, se sentiam os "protetores" que batem em um bandido.

Naquele momento, ela não sabia a real situação do estudante africano, já que todo mundo falava de que se tratava de um bandido. “Eu não queria saber se era ou não um bandido, eu queria que preservassem a vida dele, o segurassem apenas e deixassem que os policiais profissionais fizessem o trabalho”.

Nisso, o homem negro que estava batendo disse que era um policial e ela não acreditou. “Não. policial não faz isso. Eu tenho os policiais como  defensores dos direitos humanos no estado democrático de direito em que vivemos”, afirmou.

Depois de confrontar a opinião dizendo que não acreditava que eles eram policiais, um outro que, segundo a professora, foi o que mais bateu em Toni Bernardo, levantou-se e foi em sua direção. “Você está dizendo que eu que sou o bandido?", perguntou um policial. E ela respondeu: "Estou dizendo que você está se comportando como um bandido!”, disse.

“Penso que eles se julgaram heróis. Como uma síndrome de Hitler, que os levaram a tomar a atitude que eles tomaram”, refletiu.

A socióloga comparou a atitude dos policiais Higor Marcell Mendes Montenegro e Wesley Fagundes Pereira, ambos de 24 anos, com os dois policiais militares que chegaram no local para atender à ocorrência. “Os policiais que chegaram no local foram totalmente profissionais, sem alterar uma única vez a voz. Chegaram e foram até onde estava o Toni Bernardo, chamaram a ambulância, mas já era tarde. Depois ligaram para pedir reforço”.

CONDUÇÃO DOS ACUSADOS

Os policiais militares que estavam na ocorrência deram voz de prisão para os acusados, foi quando um dos PMs disse que outro também tinha participado da sessão de tortura. De acordo com a professora Janaína Monteiro, ela não viu a participação do empresário, pois só chegou no momento em que estava somente os dois policiais militares participando da agressão.

“Eles foram conduzidos quando um deles disse que o outro estava indo embora. Logo um dos policiais foi na busca do terceiro agressor (Sérgio Marcelo Silva da Costa, de 27 anos) que ainda estava próximo da pizzaria”, disse Janaína.

PROTEÇÃO À TESTEMUNHA

A professora Janaína Monteiro, que não quis declarar a idade, é esposa de um policial civil. Ela se recusou a participar do Programa Nacional de Proteção à Testemunha porque teria que sair do Estado e mudar toda a rotina de sua vida. Mesmo com a recusa, ela confessa que está com medo, já que tem três filhos.  

O deputado Emanuel Pinheiro, do comitê de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa vai exigir do Estado que dê proteção para a professora Janaína Monteiro. De acordo com Pinheiro, foi protocolado no dia 28 de setembro na Secretaria de Segurança Pública um pedido para fazer a segurança da testemunha do crime.

OUTRO LADO

O advogado dos policiais militares, Ardonil Gonzalez Júnior, disse que depoimento da professora e socióloga, Janaína Pereira Monteiro, é prejudicial para seus clientes, mas o que foi falado não é verdade. E até sugeriu que a professora estaria tentando defender alguém.

“Com o depoimento com certeza vai prejudicar os meus clientes, mas eu vou provar no processo que o que ela (Janaína Monteiro) falou não é verdade. Nunca vi uma testemunha assim, o que ela tem de interesse nisso, está tentando acobertar uma outra pessoa?”, indagou Ardonil.

O advogado informou também que ainda não deu entrada no pedido de liberdade provisória do PMs, Higor Marcell Mendes Montenegro e Wesley Fagundes Pereira, ambos de 24 anos. A alegação é que vai esperar a distribuição do inquérito para que o pedido possa ser feito à juíza que vai dar continuidade nas investigações da morte do estudante Toni.

Atualizada às 15h45