"Era para o produtor do programa dela. Assim que eu fiz os três ternos, ela me pagou com cheques. Pronto. Tudo sem fundo" relembra o alfaiate Edes Ferreira de Souza, 69 anos, do serviço prestado para a artista icônica Dercy Gonçalves. Para ele, que trabalha desde os nove anos com confecção de roupas, o transtorno ocorrido, ainda na década de 70, é só mais uma história em sua vida de aprendizados e experiências.
Ao lado de sua máquina de costura alemã, uma Pfaff quase centenária, seo Edes relembra que foi mais de uma vez cobrar Dercy pela feitura das peças e que a má recepção era cortesia da casa.
"Eu ia na casa dela receber, ela morava na Rua Guaianases, quase de frente com a rodoviária. Ia lá receber, mas aquela mulher... você já viu ela na televisão? Pois é, fora da televisão era pior que aquilo, ela falava barbaridades, bicho. Que mulher horrorosa, credo".
Nessa época, ele ainda morava em São Paulo, onde aperfeiçoou seu telento com a costura, montou o próprio negócio no movimentado centro da cidade, se casou e trabalhou durante os primeiros 25 anos de sua longa trajetória na alfaiataria. Depois, mudou-se para para Rondonópolis e Várzea Grande, onde mantém a oficina de costura.
O aposentado comenta, ainda, que a profissão é uma herança de família: herdou dos tios e da mãe costureira. Para ele, era natural seguir a carreira, que na época era glamourosa na visão da sociedade "Eu sempre estive perto da máquina, aprendi observando".
Atualmente, o idoso sofre com problemas nos rins, que o obriga a frequentar sessões de hemodiálise. A visão também já não favorece mais o trabalho. Ele afirma que já não aceita pedidos que demandem muito esforço. Contudo, nenhuma dessas condições são suficientes para barrar os esforços de seo Edes.
Ele lamenta que o valor recebido pela aposentadoria não seja suficiente para susprir duas despesas. Assim, ele complementa a renda com os pequenos serviços de alfaiataria.
"Com um salário mínimo é impossível sobreviver, você tem de ganhar um pouquinho a mais que é para ajudar. Praticamente não exerço a profissão. Faço alguma coisa para não ficar parado".
Em queda
O alfaiate revela a preocupação com o futuro da profissão. Próximo dos 70 anos de vida, ele conta que trabalha no ofício há seis décadas e que nunca viu uma profissão se desvalorizar tanto como tem ocorrido.
Segundo ele, a indústria é o principal adversário de trabalhadores em ocupações mais tradicionais. Triste, o trabalhador lamenta o declínio do trabalho manual. "A indústria, somada à ilegalidade derrubou demais a profissão".
Para Edes, o baixo preço cobrado pelas grandes redes de lojas torna a competição injusta. Com indignação ele observa que é um sistema desleal. Para ilustrar seu ponto de vista, o senhor revive uma história que aconteceu há alguns anos em Rondonópolis (distante 215 km de Cuiabá).
"Um sujeito abriu uma loja de confecção, o pessoal do norte e nordeste vinha e saia de carro cheio. Até que um dia descobriram, ele assaltava carretas de confecções e vendia as mercadorias a preços de banana". Para o alfaiate, a indústria de roupas a preços baixos só se sustenta na ilegalidade e exploração de mão de obra.
"Eu não sei, mas deve estar uns 150 reais para fazer uma calça. E você chega na loja e encontra calça de R$ 15, R$ 20 reais. Eu não consigo entender essas coisas". Na visão de seo Edes, nesse cenário "só se Deus estiver à frente do negócio para que ele prospere sem ter de apelar para a clandestinidade".
Para o futuro
Patriarca de uma família de três filhos, o aposentado conta, com o sorriso estampado no rosto, que vê na neta mais nova a esperança para a profissão. Ele se alegra ao anunciar que Sara, 18 anos, o acompanhou desde muito jovem na oficina de costura.
"Ela ficava aqui o dia todo e disse que queria aprender o ofício. Daí começou o curso no SENAI e agora já está no segundo ano. Na próxima sexta-feira, ela vai para Blumenau participar de um concurso de costura".
Edes diz, com orgulho, que foi a profissão que deu tudo que ele tem. Relembra que seu primeiro carro foi comprado com o dinheiro da alfaiataria. Hoje, ele tem filha enfermeira, neto odontologista e neta nutricionista.
Atualmente, o aposentado diz que recebe entre duas e três pessoas semanalmente na alfaiataria, em semanas pouco movimentadas ele não recebe ninguém. Contudo, isso não é impedimento para o bom humor e alegria em se viver bem, como demonstra seo Edes.
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