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Artigos Segunda-feira, 20 de Fevereiro de 2017, 09:05 - A | A

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Segunda-feira, 20 de Fevereiro de 2017, 09h:05 - A | A

É moral indenizar presos?

A tese da "indenização a presos" soou como um disparo de pistola no meio da missa.

GABRIEL LEAL

 

divulgação

Gabriel Leal

 

No último dia 16, o STF fixou como tese de repercussão geral que presos deverão ser ressarcidos financeiramente, quando os presídios não atenderem padrões mínimos de humanidade. 

 

Em suma, o preso submetido a situação degradante terá direito a indenização por danos morais; como efeito de recurso ao STF interposto pela Defensoria do MS, ao recorrer de uma negativa de indenização. 

 

Na suprema corte, os ministros entenderam, quase unanimemente, ser responsabilidade do Estado quando na relação com o particular, o dever de assegurar meios dignos àqueles sob cárcere, mas não apenas, pois em não havendo tal execução dessa garantia fundamental, o Estado deverá indenizar os assim submetidos.

 

Isto posto. A primeira impressão que podemos ter é de uma imensa injustiça com o cidadão trabalhador; espremido diariamente em sucatas tendo que pagar por tal; trens e metrôs imorais (quando existem); parco atendimento médico cuja fila encaminha mais ao cemitério que à saúde; ausência generalizada de vagas: da creche ao emprego.

 

Vivemos no Brasil de hoje uma condição média de indignidade crua, que vai do assalto sangrento a Lava Jato, acossados de todo lado. Ou seja, não há um único canto da vida social brasileira que não clame por dignidade pública, sobretudo na relação do cidadão com o Leviatã estatal. 

 

Assim, a tese da "indenização a presos" soou como um disparo de pistola no meio da missa. Foi essa é a impressão geral.

 

Mas, sabemos que as impressões são perigosas. Como o rio cristalino a enganar sua profundidade. Como o sol a girar ao redor da Terra diante de nossos olhos (falsamente...). Impressões que se esfarelam após o martelo da racionalidade, do cálculo sereno sem a ventania das paixões, que é o reino da “doxa”, a opinião. 

 

Uma tese vem a ser justamente o contrário de uma mera opinião: um conjunto de argumentos racionais, sob método, que ao fim e ao cabo, encadeando premissas e silogismos chega a termo, ganhando corpo de teoria comprovada. 

 

Dessa forma, em uma linha de análise, por mais que nos atente a moral mais elementar, a Constituição obriga, repito, obriga, que o Estado quando ineficiente, indenize a parte mais fraca por danos morais (art. 37 §6). 

 

Mas, e o cidadão morto na fila do SUS? E a vítima desse marginal que será indenizado? Pergunta-se: A família de ambos não mereceria devida indenização também? Seguindo o mesmo raciocínio da tese aprovada, sim. Porém, como a lógica jurídica não faz acepção ao preso em relação ao não-preso no que tange a direitos, ela apregoa que sim, o primeiro deverá ser indenizado se submetido a condições degradantes, instado o STF no devido processo legal que lá aportou (dado que, o poder judiciário é inerte). 

 

A decisão, portanto, vem a ser justa porque constitucional. 

 

Quero defender, contudo, que esse último argumento que expus --- e que parece ser o mote para a tese do STF --- não é a última palavra em argumento jurídico, e pode noutra linha de análise, ser "incorreto". 

 

Ronald Dworkin, filósofo do direito, dizia que o “raciocínio jurídico é um exercício de interpretação e que a prática do direito é argumentativa”. E mais, que o direito não está a reboque de um conjunto normativo fixo e positivado. Mas, como objeto de argumentação jurídica cujo aperfeiçoamento é, primeiro, objetivo e, daí, se positiva. 

 

No clássico “O império do direito”, Dworkin diz que os fundamentos do direito encontram-se na aceitação social de uma regra de reconhecimento àqueles que criam as leis (em nosso caso, por meio da democracia representativa) e, de forma consequente, em virtude das convenções sociais que representam essa aceitação, em outras palavras, da sociedade. 

 

Logo, o fundamento do direito não é nem de longe a norma dura, mas, a moralidade pública. Lá pelas tantas, Dworkin irá dizer que o principal aparelho jurídico é a boa consciência. Direito e justiça se igualam no plano que merece o principal destaque: o moral (afetos ou sentimentos morais). 

 

Direito, portanto, tem a ver com a interpretação moral das leis em sentido lato (inclusos, a doutrina e a jurisprudência). E uma interpretação bem-sucedida será aquela que melhor revelar a unidade com a moral social. E não é o caso de uma interpretação ser melhor que a outra, mas sim, em apresentar maior ou menor compromisso com a sociedade. 

 

A interpretação de uma prática social guiada pela moral será sempre reveladora das convicções de seu autor, e estas devem se casar com os sentimentos morais da sociedade. Pois, a avaliação que move a interpretação deita raízes em nossa visão de mundo, que deve ser a cosmovisão pública, de homens públicos, antes de se fundamentar em qualquer aparato técnico-jurídico. 

 

Quero chegar ao ponto que julgo capital: que uma análise legal jamais poderá se afastar dos sentimentos morais daqueles que autorizam o juízo, isto é, da sociedade. 

 

Outro grande teórico do direito, John Rawls, caminha em sentido próximo quando diz que “uma sociedade ordenada (onde a justiça pode existir) é aquela na qual todos aceitam e sabem que os outros aceitam os mesmos princípios de justiça, e as instituições sociais básicas atendem e se sabe que atendem a esses princípios”. 

 

Um cidadão, para Rawls, só terá uma atitude moral se compreender esse compromisso particular na forma pública de juízo. Noutros termos, se adequar-se aos valores vigentes ao tempo. Miguel Reale, e sua teoria tridimensional do direito, subscreve em boa media Rawls ao propor que o direito se apoia em valores e fatos historicamente consolidados, além da norma. Valores, são conteúdos da moral, isto é, afetos morais. 

 

Não quero me alongar em mais teorias. Basta as que citei e que têm na constituição moral de um povo, o fundamento Constitucional. Alguém questionará os valores consagrados na moral pública quando comparadas com práticas sociais que nos envergonham, como os saques generalizados no Espírito Santo dias atrás. Daquele brasileiro caricato que ama a vantagem e historicamente se mantém no jeitinho. 

 

Seria essa moral, que tomou como absurda a decisão em indenizar presos, apenas um moralismo hipócrita? Creio que não. O mesmo "não" à pergunta título.

 

 

*GABRIEL LEAL é doutor em educação, PUC/SP. Autor de "Fundamentos das Ciências Policias: da barbárie à segurança pública." Editora CRV. E-mail: [email protected]

Os artigos assinados são de responsabilidade dos autores e não refletem necessariamente a opinião do site de notícias www.hnt.com.br

 

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